Detalhes do programa do curso foram apresentados pela primeira vez no I Colóquio Internacional de Engenharia da Complexidade, em São Paulo.
A Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) apresentou ontem (05/04), pela primeira vez ao público, os detalhes do curso de Engenharia da Complexidade, inédito no Brasil e que deverá ser implementado no campus da instituição na cidade de Santos, litoral paulista. O curso deverá ter duração de cinco anos e turmas anuais, será organizado em sete grandes blocos e utilizará a metodologia de ensino-aprendizagem por projeto.
A Engenharia da Complexidade utiliza de maneira integrada conhecimentos de outras áreas da Engenharia e da Ciência para analisar, compreender e propor soluções para ambientes que reúnem um conjunto diverso de componentes – como, por exemplo, propor como solução para um problema de mobilidade urbana a ampliação de vias ou construção de um viaduto ou túnel observando não só os aspectos construtivos, mas o impacto da obra na população, no ambiente urbano e na economia.
Segundo a diretora da Poli-USP, professora Liedi Légi Bariani Bernucci, a apresentação preliminar realizada no I Colóquio Internacional de Engenharia da Complexidade, promovido pela Poli em São Paulo, visou o compartilhamento de ideias sobre o curso e sua estruturação, de modo a incentivar propostas de aperfeiçoamento. “Queremos que Engenharia da Complexidade esteja integrado aos demais cursos da Poli e que as outras habilitações da nossa Escola possam aproveitar as melhores ideias dessa discussão para elas mesmas”, explicou a diretora na abertura do evento.
Contexto – A proposta foi apresentada pelo professor Laerte Idal Sznelwar, do departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP e coordenador do grupo de trabalho que está estruturando o curso, do qual participam representantes da Poli e do Groupe des Écoles Centrales, da França.
A iniciativa da Poli nasceu da identificação da demanda por um novo tipo de profissional e se baseia, principalmente, mas não somente, nas concepções do sociólogo Edgar Morin, que formulou a Teoria da Complexidade. Tem como referência também a Teoria Geral dos Sistemas, formulada pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy.
“Há uma dificuldade inicial com a própria definição do que é sistema complexo. Seria um sistema complicado?”, disse o professor do departamento de Engenharia de Telecomunicações e Controle da Poli, José Roberto Castilho Piqueira, que idealizou a criação do curso de Engenharia da Complexidade durante sua gestão como diretor da Escola, entre 2014-1018. Segundo ele, a Ciência e a Engenharia têm olhado para os sistemas pelo viés da redução, em que as partes são estudadas separadamente. “Como juntar as coisas e ter algo novo é a rota da emergência, e é o que a Engenharia da Complexidade se propõe a fazer”, disse.
Esse olhar que busca a integração é exatamente o que precisará a Engenharia de um futuro não muito distante, explicou o professor do departamento de Engenharia de Produção da Poli, Mauro Zilbovicius, outro integrante do grupo de trabalho que estrutura o novo curso. “Precisamos superar a análise por separação das áreas, pois os engenheiros estão e estarão cada vez mais sendo desafiados por problemas cujas soluções são complexas”, comentou. Para um curso de Engenharia da Complexidade interessará, portanto, formar alunos capazes de atuar em ambientes multi ou interdisciplinares, sendo um promotor da integração entre as diversas áreas não só da Engenharia, mas do conhecimento científico em geral.
Demandas presentes – Na análise do secretário estadual de Energia e Mineração de São Paulo, João Carlos Meirelles, que participou do colóquio, o novo curso está em sintonia com o que a sociedade precisa em relação à formação de engenheiros. Graduado em Engenharia Civil na Poli, Meirelles acentuou que “precisamos ter uma visão ampla dos processos”, pois “é isso que constitui os diagnósticos da engenharia do século XXI”. Ele enfatizou que “temos grandes desafios a enfrentar, e criar esse curso é algo urgente e absolutamente oportuno”, afirmou.
Meirelles citou duas grandes questões que se colocam para o Estado de São Paulo hoje e que precisam da Engenharia da Complexidade. Uma, é a aglomeração da população no ambiente urbano, dado que 97% das pessoas no Estado de São Paulo moram em cidades, onde intervenções precisam ser feitas com a devida observação dos impactos social, cultural, ambiental e econômico. Outra, é o aproveitamento do potencial de produção de combustível e energia elétrica a partir das reservas de petróleo e gás no pré-sal da Bacia de Santos. “São Paulo já se tornou o maior produtor de petróleo do Brasil e temos potencial para mais. Precisamos de soluções para os desafios da exploração de petróleo em águas superprofundas e criar alternativas para o uso do gás natural, entre outros desafios”, disse.
A Poli na frente – A criação do curso de Engenharia da Complexidade na Poli é uma iniciativa inovadora no Brasil, segundo o professor do departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Escola, Bernardo Luis Rodrigues de Andrade, que também integra o grupo de trabalho que está estruturando o curso. Ele citou algumas experiências internacionais no campo da pesquisa em Engenharia da Complexidade, como as das universidades de Calgary (Canadá), Imperial College e Oxford (Reino Unido), Sidney (Austrália), Stanford e MIT (Estados Unidos). E destacou a Universidade de Tóquio, no Japão, que conta com um departamento de Ciência e Engenharia da Complexidade.
“O Brasil, na verdade, está um pouco atrasado nesse assunto”, avaliou Andrade. Um exemplo prático é o do professor do departamento de Engenharia de Mecatrônica e de Sistemas Mecânicos da Poli, Alexandre Kawano, outro integrante do grupo de trabalho: já há 20 anos ele fez doutorado na Yokohama National University, no Japão, onde desenvolveu pesquisas envolvendo Complexidade. “Na ocasião, o laboratório em que eu estava usou Engenharia da Complexidade para estudar o fluxo de pessoas em uma das maiores estações de trem do mundo, a Shinjuku, que fica na Grande Tóquio”, contou Kawano.
A Poli também já se envolveu com o tema da Complexidade, só que de forma pontual, como contou o chefe do departamento de Engenharia de Minas e Petróleo, Giorgio de Tomi. “Orientei o doutorado do hoje empresário Maurício Dompieri, concluído em 2010, no qual que ele utilizou a Complexidade para estudar e resolver um problema de desmonte de rocha em mineração”, contou o professor.
Estrutura – O professor Laerte Idal Sznelwar, coordenador do grupo de trabalho que está estruturando o curso, alertou durante o colóquio que a iniciativa não tem por objetivo substituir outros cursos de Engenharia. “A Engenharia da Complexidade precisa do conhecimento e expertise não só de vários campos da Ciência, mas das diversas áreas de especialização da Engenharia. Ele vem para somar, para formar profissionais capazes de olhar os desafios de forma complexa e de agregar pessoas e conhecimentos necessários para solucioná-los”, observou.
Do primeiro ao terceiro ano, os estudantes terão as aulas de Projeto em Engenharia da Complexidade; de Ciências, que tratarão de conhecimento geral básico e interdisciplinar – Matemática, Física, Química e Biologia; as matérias de Ciências da Engenharia e Complexidade; e horas-aula para Trabalho Pessoal, que poderão ser usadas para cursos como línguas estrangeiras e outras atividades extra-classe.
Já no primeiro semestre do quarto ano, continuam as aulas de Projeto em Engenharia da Complexidade, mas no lugar de Ciêncas da Engenharia e Complexidade, entra a disciplina Organizações, Produção, Trabalho e Tecnologia, continuando as horas-aula dedicadas para Trabalho Pessoal. No segundo semestre, toda a carga horária será destinada para Atividades Eletivas Supervisionadas, que podem ser desenvolvidas internacionalmente – por exemplo, um estágio ou intercâmbio.
No quinto ano, o primeiro semestre é dedicado aos Módulos Temáticos, outra grande inovação do currículo. Nele há áreas selecionadas por requererem os paradigmas da Complexidade para a proposta de solução de problemas e desenvolvimento de inovações. Os módulos disponíveis serão Serviços; Cidades; e Energia e Mar. No módulo Cidades, por exemplo, ele irá estudar disciplinas como Smart Cities; Saneamento Básico; e Mobilidade Urbana, entre outras. Em Serviços estarão disciplinas como Ferramentas de Suporte a Decisão; Trabalho e Psicodinâmica do Trabalho em Serviços; e Serviços de Educação, Saúde, Segurança Pública. Em Energia e Mar constam disciplinar como Ciências dos Dados Aplicada à Exploração Marítima e à Produção de Energia; Recursos Biológicos e Minerais do Mar; e Operações Marítimas – Infraestrutura Portuária e Logística. O último semestre é para realização e apresentação do trabalho de conclusão do curso.
O que foi apresentado no colóquio ainda poderá sofrer alterações, já que alguns aspectos relacionados às disciplinas ainda estão sendo estruturados. Para ser implementado, é preciso que o curso de Engenharia da Complexidade seja analisado e aprovado por instâncias decisórias da USP. Por isso, ainda não há uma data definida para ser oferecido aos estudantes.
Fonte: Poli-USP