Pesquisa da Poli-USP analisa durabilidade de pavimento em clima tropical
Pesquisa pioneira foi considerada a melhor dissertação de 2017 pelo Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON)
Uma pesquisa desenvolvida na Escola Politécnica da USP analisou a durabilidade de pavimentos de concreto continuamente armado, ou seja, construídos com longas barras de aço ao longo de todo seu comprimento, e mostrou as vantagens do uso desse material na pavimentação de vias nas quais trafegam veículos pesados, como rodovias, corredores e terminais de ônibus. Baseado em uma revisão abrangente da literatura técnica internacional, o estudo demonstrou que esse tipo de pavimento de concreto apresenta melhor durabilidade, oferece mais conforto para os usuários das vias e gera economia, pois requer menor manutenção ao longo dos anos quando comparado a outros tipos de pavimentos utilizados, como, por exemplo, o pavimento de concreto simples.
O pavimento de concreto continuamente armado é amplamente utilizado em países europeus (Bélgica e Holanda, principalmente) e nos Estados Unidos há mais de 50 anos, mas ainda havia uma carência de estudos sobre o comportamento e desempenho dessa tecnologia em clima tropical, como o da região de São Paulo, onde foi realizado o experimento.
A dissertação de mestrado “Análise Experimental e Analítica da Fissuração de Pavimentos de Concreto Continuamente Armados em Clima Tropical”, da pesquisadora Andréia Posser Cargnin, foi defendida no Departamento de Engenharia de Transportes da Poli-USP no final do último ano, e orientada pelo professor José Tadeu Balbo. O trabalho recebeu um prêmio na categoria de melhor “Dissertação de Mestrado na Área de Materiais no ano de 2017″ do Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON). A sessão solene de premiação será realizada no 59° Congresso Brasileiro do Concreto CBC2017, no dia 31 de outubro.
Desde 2009, o Laboratório de Mecânica de Pavimentos (LMP) do Departamento de Engenharia de Transportes da Poli-USP, coordenado pelo professor José Tadeu Balbo, tem realizado pesquisas que avaliam a combinação de diversos tipos de materiais para encontrar as melhores soluções em pavimentação em concreto continuamente armado, com aplicações em áreas de tráfego de veículos pesados, como rodovias, aeroportos e corredores de ônibus. No primeiro estudo, foram construídas 4 seções experimentais com 50m de extensão para simular uma parada de ônibus, variando o percentual de aço em cada seção. Entretanto, o comportamento diferenciado dessas seções curtas em relação ao pavimento continuamente armado tradicional evidenciou a necessidade de construção de um pavimento com padrões mais condizentes àqueles encontrados na literatura internacional. Assim, em janeiro de 2016, foi construída uma pista-teste de com 200 metros de extensão no campus da USP no bairro do Butantã, em São Paulo, onde desde então estão sendo estudados dois tipos diferentes de aço e quatro tipos de concreto, variando a composição do material. Essa pista-teste foi o “laboratório” para a pesquisadora.
Sobre a pesquisa – Andreia explica que a pista foi construída na faixa da direita de uma avenida do campus composta por três faixas de rodagens, de modo que fosse submetida ao tráfego de ônibus urbanos que por ali circulam. Seu estudo utiliza o aço comum e o aço galvanizado, que também é empregado na construção civil quando há preocupação com questões de durabilidade como corrosão de armaduras. “Aproveitamos para analisar se o tipo de aço utilizado causaria alguma diferença de desempenho do pavimento”.
O objetivo inicial do projeto de mestrado era avaliar o comportamento do material da pista ao longo do tempo. “É importante salientar que essa é uma tecnologia na qual o concreto fica fissurado, e o que controla estas fissuras, para que não abram demais e garantam o desempenho estrutural do pavimento, é justamente a taxa de armadura, que possui um percentual elevado”. Foi utilizado um alto percentual de aço em comparação à construções tradicionais. “A seção possui barras de aço de 20 milímetros de diâmetro, espaçadas a cada 17,5cm. É uma quantidade de aço bem grande, para manter essas fissuras apertadas”.
Na tecnologia de pavimentação em concreto tradicional, utilizada hoje em muitas rodovias do Brasil, busca-se que as fissuras ocorram fora das placas, e para isso são construídas juntas, recortes a cada regulares a distâncias determinadas para impedir que os vincos ocorram no meio das placas, comprometendo sua estrutura. “Na tecnologia proposta no estudo, não há problemas em haver fissuras, uma vez que a sua construção garante que elas não passem de 0,4 ou 0,5mm. A barra de aço está próxima da superfície para evitar que as fissuras sejam maiores. O que garante a resistência estrutural do pavimento de concreto continuamente armado é a existência dessas barras de aço ao longo de todo o seu comprimento”, explica Andreia. Esta abertura impede a infiltração de água e garante o desempenho estrutural mesmo com o trânsito intenso de veículos, e sua consequente carga sobre a estrutura.
A tecnologia de pavimentação em concreto tradicionalmente empregada no Brasil constitui-se nos pavimentos de concreto simples, a qual busca evitar que as fissuras ocorram fora de zonas pré-estabelecidas nas placas, pois comprometeriam a eficiência do sistema. Para tanto são serradas juntas de retração, regularmente espaçadas, que induzem as fissuras nas posições do corte, onde são instaladas barras de transferência para garantir que as cargas do tráfego passem de uma placa para outra de maneira eficiente. “Na tecnologia proposta no estudo, não há problemas em haver fissuras, uma vez que a sua construção garante que a abertura dessas fissuras não exceda limite de 0,5 mm.” Além disso, a barra de aço está mais próxima da superfície para evitar que as fissuras abram excessivamente, o que também seria prejudicial ao pavimento. O que garante a eficiência estrutural do pavimento de concreto continuamente armado é a existência dessas barras de aço ao longo de todo o seu comprimento”, explica Andreia. Esta pequena abertura limitada pelo elevado percentual de aço impede a infiltração de água e garante o desempenho estrutural por meio de elevados níveis de transferência de carga entre as fissuras, mesmo com o tráfego intenso de veículos, e sua consequente carga sobre a estrutura.
Comparativamente, no pavimento de concreto simples, utilizado na maioria dos corredores de ônibus, a cada quatro metros e meio é necessário cerrar uma junta – um corte transversal para concentrar as tensões quando o material se expande devido ao calor. Para não haver infiltração de água, dano estrutural e corrosão, é necessário utilizar um material selante, que deve ser reaplicado a cada três ou quatro anos. No pavimento estudado por Andreia, esta manutenção não é necessária, uma vez que não há juntas de contração.
A tecnologia de pavimento de concreto continuamente armado é mais cara devido a grande quantidade de aço utilizada. Porém, ao longo dos anos, os gastos com manutenção se tornam muito menores em comparação com os pavimentos de concreto simples. “É um investimento caro, mas aliado à economia em manutenção do pavimento, está a qualidade de rolamento”. A pesquisadora explica que o conforto percebido pelo motorista em uma pista, chamada de qualidade de rolamento, pode ser melhor dependendo de como são feitas as junções, e a consequente geração de degraus na pista. “Nesta tecnologia que propomos, por não haver juntas, o conforto é muito melhor. Acreditamos que seja uma alternativa interessante para corredores urbanos de ônibus”.
No Brasil não existe ainda especificação para este tipo de estrutura em manuais de estruturas de transporte. “Nossa ideia é, após entender o comportamento deste tipo de estrutura, dar um retorno para a sociedade propondo uma metodologia de projeto adequada ao nosso clima”, finaliza a pesquisadora.
Laboratório de Mecânica de Pavimentos (LMP) – O Laboratório da Poli-USP se dedica, desde 1998, a pesquisar e propor melhorias neste sentido. “O Brasil é um país essencialmente rodoviário e carente de soluções de alta durabilidade. Precisamos de pavimentos mais robustos em grandes rodovias e que demandem pouca manutenção”, explica o coordenador do centro de pesquisa, professor Balbo.
O docente explica que os pesquisadores do LMP poderão fazer testes na pista experimental instalada no campus da USP em São Paulo pelos próximos 10 anos. “Após os primeiros testes, constatamos que os padrões de fissuração apresentados atendem às especificações dos Estados Unidos e Europa”, ressalta o docente. “Teremos de desenvolver pesquisas relacionadas à capacidade estrutural de receber carregamentos dessas estruturas de pavimento, além de verificarmos ao longo dos anos uma possível corrosão em armaduras não galvanizadas em comparação às galvanizadas empregadas nos testes”, explica o pesquisador.
Entre as novidades quanto à pesquisa, o LMP está utilizando um tomógrafo para caracterização de pavimentos de concreto como espessuras, quantidade e posicionamento de barras de aço. “Isso visa a melhoria no aspecto normativo quanto à construção dos pavimentos de concreto”, conclui o professor Balbo.